até o sol
digo,
com o sol
pôr o sol no sonho''
Madrugada. Chego em casa e ainda com toda a euforia que a noite me trouxe, tentei escrever...se passavam mil coisas na minha cabeça, talvez culpa das incontáveis cervejas. As lembranças e as imagens vinham e voltavam, como em um filme. Ainda conseguia sentir o momento, mesmo da minha casa, do meu sofá...
Sentir a sensação de um show maravilhoso e de músicas que me atravessavam a alma como se fossem minhas, como se já tivessem sido minhas...Eu sentia, sentia tudo, todas elas, palavra por palavra, e cada arrepio justificava; fazia valer...Sentir o balanço da van indo para algum lugar... Ver luzes e carros de um lado e do outro, ver. E mais do que ver, escutar. Fechar os olhos e escutar a voz nua e crua te cercando por todos os lados... Sem barulhos, sem gritaria, sem caixas de som. Só eles e suas vozes.
Entre as cervejas e cigarros, Chico Buarque e um céu lindo.
ps: Camila, amo você, kkkkkkk
Veja a tracklist.
Imagine (with Seal, Pink, Konono No l, Jeff Beck, Oumou Sangare, India.Arie, Lionel Loueke and Marcus Miller)
Don’t Give Up (with Pink and John Legend)
Tempo De Amor (with Céu)
Space Captain (Derek Trucks and Susan Tedeschi)
The Times, They Are A’ Changin’ (The Chieftains, Toumani Diabeté, Lionel Loueke and Lisa Hannigan)
La Tierra (with Juanes)
Tamatant Tilay / Exodus (Tinariwen and Los Lobos)
Tomorrow Never Knows (with Dave Matthews)
A Change is Gonna Come (with James Morrison)
The Song Goes On (with Anoushka Shankar, Chaka Khan, Wayne Shorter).
antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor
A profissão de Paulo Leminski era a poesia, era a linguagem, era a guerrilha. Guerrilha contra o quê? Contra a morte da vida em vida.
Uhn. Acho que Leminski, polaco-zen, preferiu seguir o velho lema: melhor morrer de vodca do que virar um velho brocha.
Eu penso que Leminski já estava falando sobre tudo isso nesse poema aqui, escrito há mais de 25 anos, talvez 30:
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores
Eu acho que sei o que ele quis dizer. E Leminski se foi. Nós continuamos aqui.
Ontem, depois de viagens de carro sem fim com destino a várias festas diferentes, em pleno êxtase de comemorações, acabaram fechando meu dedinho na porta do carro. Como estava de madruga e eu não podia gritar, fui abrindo a porta lentamente - o que potencializou meu sofrimento - , até desprende-lo e depois, quase chorar de tanta dor. Então hoje, ainda com sequelas e muita dor, lembrei desse texto da Martha Medeiros, que começa exatamente assim: “Trancar o dedo numa porta dói.”
A DOR QUE DÓI MAIS
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
Martha Medeiros